Marido que estupra a mulher é punido criminalmente em apenas 52 países

Dos 193 países integrantes da ONU, apenas 52 consideram crime o estupro marital –quando a mulher é violentada pelo marido. No Brasil, a agressão está incluída na Lei Maria da Penha, mas na maior parte do mundo a mulher não conta com uma legislação específica que considere o marido um agressor.

Mulheres - 5 de março de 2017

Dos 193 países integrantes da ONU, apenas 52 consideram crime o estupro marital –quando a mulher é violentada pelo marido. No Brasil, a agressão está incluída na Lei Maria da Penha, mas na maior parte do mundo a mulher não conta com uma legislação específica que considere o marido um agressor. Estimativas da ONU avaliam que 2,6 bilhões de mulheres e meninas vivem em países onde o estupro dentro do casamento não é explicitamente criminalizado, e estima-se que uma em cada três mulheres já tenha sofrido algum tipo de violência física e/ou sexual, na maior parte das vezes cometida pelo parceiro.

Dentro do capitalismo, e ainda em modos de produção que o sucederam, a violência sexual nunca foi criminalizada quando praticada dentro de uma relação íntima. A mulher era vista como uma propriedade, e a relação sexual vista como uma obrigação contratual ligada ao casamento.

O estupro era um crime contra a honra (do homem, da família), e não uma violação do corpo feminino. A ideia “legal” de que o marido não pode ser responsabilizado por estuprar sua mulher remonta ao século 17, quando o jurista britânico Matthew Hale afirmou que o casamento por si era uma forma de consentimento –ideia mantida em muitas culturas e países até hoje.

O estupro marital foi estabelecido pela ONU como uma violação de direitos humanos em 1993. A recomendação da organização é que o casamento ou nenhum outro tipo de relacionamento constituam a defesa em um caso de ataque sexual segundo a legislação, mas esta medida ganha espaço no mundo a passos lentos.

O maior número de países com legislações que criminalizam o estupro marital está na América Latina: Brasil, Argentina, Bolívia e Equador revisaram seus códigos penais para considerar a violência sexual como uma violação. Alguns países africanos também criminalizam a prática, como Lesoto, Namíbia, a África do Sul e a Suazilândia. No entanto, nem mesmo nestes países a realidade foi modificada e as mulheres seguem sendo vítimas especialmente de seus companheiros.

Países como Índia, China, Afeganistão, Paquistão e Arábia Saudita não consideram o estupro do marido contra a mulher um crime. Na Índia, por exemplo, o código penal define que o sexo forçado é crime apenas se a mulher casada tem menos de 15 anos. O Sudão do Sul, país criado em 2011, define explicitamente que, mesmo forçada, a relação sexual entre marido e mulher não é considerada estupro.

 

Questão religiosa, social, mas, antes de tudo, econômica

 

No Paquistão, onde conselheiros religiosos chamaram recentemente projetos de lei de proteção a mulher de “anti-islâmicos”, o estupro dentro do casamento não é crime. “Alguns clérigos islâmicos argumentam que a mulher deve sexo ao marido pela virtude do casamento, então a questão do consentimento não chega nem a ser levantada”, diz a paquistanesa Reema Omer, consultora jurídica para o sul da Ásia da ICJ (Comissão Internacional de Juristas).

Segundo ela, argumentos semelhantes são também usados por clérigos hindus na Índia. “Discursos religiosos são muitas vezes conduzidos por homens, permitindo que interpretações contra o direito da mulher prevaleçam. O mesmo vale para o estupro marital”, diz Reema.

O fator religioso pode ser usado como um indutor do estupro, como é o caso de países com legislações baseadas na sharia –a lei islâmica–, no hinduísmo e mesmo no cristianismo, já que a Bíblia tem passagens que justificam este e muitos outros crimes, em especial contra as mulheres.

Além da questão religiosa, que se mescla à questão cultural que naturaliza este crime, há a impunidade decorrente de uma polícia e uma Justiça machistas. Prestar queixa na delegacia costuma não levar a lugar algum, e a própria polícia agride e constrange mulheres que dão queixa.

No Brasil, apenas em 2009 o Código Penal passou a começou a mencionar o estupro como um crime contra a dignidade sexual e a liberdade sexual da mulher, pois, antes, era considerado contra a “honra” do marido.. Hoje, o estupro marital está entre as agressões punidas pela Lei Maria da Penha. A conjunção carnal forçada ou qualquer outro ato libidinoso mediante agressão física ou ameaça grave configura crime de estupro, inclusive se é praticado pelo marido, com pena prevista de 6 a 10 anos de prisão.

Entretanto, a legislação brasileira contempla dentro do estupro marital o chamado estupro de vulnerável –quando a vítima tem menos de 14 anos, se apresenta doença mental ou quando a vítima não consegue oferecer resistência, que é o caso de uma mulher fragilizada. Existem ainda os casos em que a mulher estava dormindo, dopada, embriagada e fragilizada emocionalmente pela sequência de abusos e agressões. Todos são considerados como estupro de vulnerável.

Independentemente da razão aparente provir de crenças religiosas, aspectos culturais ou sociais, em todas as situações em que a mulher é subjugada e agredida, é a razão econômica que estimula a origem e a permanência desta situação. As mulheres não têm condições de reagir quando não têm condições de sobreviverem de modo independente financeiramente. Assim como a sociedade capitalista depende de que metade dos trabalhadores, representados pelas mulheres, estejam numa situação de “inferioridade”, de forma que o machismo, a misoginia e o feminicídio são parte integrante da redução do custo da mão de obra feminina, e do aumento da mais-valia que lhes é extraída.

Sem dúvida, a luta da mulher é diária e deve ser travada em todas as esferas. E, à medida em que haja lutas e vitórias parciais, todos os trabalhadores saem ganhando, por enfraquecer a exploração e a barbárie que se mantém e cresce sob o capitalismo. No entanto, o fim da exploração às mulheres, da opressão e da própria violência só poderá ser alcançado com o fim do capitalismo, sistema que lucra com as coisas como estão hoje.

Não há luta dos trabalhadores e por justiça, igualdade e uma vida melhor e sem exploração, que não exija a mais firme luta pelo fim da violência às mulheres e do machismo como um todo.