Fora tropas norteamericanas e russas de Rojava! Pela derrubada de Assad e demais governos burgueses da região!

A história de luta dos curdos nos tempos contemporâneos se destaca na primeira guerra mundial, com o desmantelamento do império otomano e a constituição dos novos Estados nacionais através dos tratados de Sykes Picot y Lausane. Surge a Turquia moderna e se redesenha o mapa da região, incluindo o Oriente Médio. E os curdos ficam de fora, passando a ser um alvo ainda mais direto da tentativa de extermínio ou assimilação.

Mundo - 6 de abril de 2017

Passados 5 anos desde o início da Revolução Síria, a luta do povo curdo ao norte deste país tomou a expressão mais avançada dentro do conflito sírio. Desde os anos 70, o povo curdo vem protagonizando lutas pelo legítimo direito à libertação nacional, para a conquista da formação um Estado próprio. Adotando métodos de guerrilha, a partir, principalmente, do campesinato, surge o PKK – Partido dos Trabalhadores do Kurdistão -, direção majoritária atual das camadas mais empobrecidas deste povo.

A história de luta dos curdos nos tempos contemporâneos se destaca na primeira guerra mundial, com o desmantelamento do império otomano e a constituição dos novos Estados nacionais através dos tratados de Sykes Picot y Lausane. Surge a Turquia moderna e se redesenha o mapa da região, incluindo o Oriente Médio. E os curdos ficam de fora, passando a ser um alvo ainda mais direto da tentativa de extermínio ou assimilação.

Desde então, a repressão, que já era extremamente violenta, se intensificou, dividindo o povo curdo em 4 países – Síria, Turquia, Irã e Iraque. Foram décadas de perseguição nestes 4 países, com a língua curda sendo proibida, os costumes sendo censurados e as liberdades políticas e democráticas suprimidas. Na Turquia, por exemplo, onde está a imensa maioria dos curdos, se tornou comum a frase: “não existem curdos, apenas turcos da montanha”. Com a recente primavera árabe, iniciada na Tunísia, e a deflagração da guerra civil na síria, os curdos ao norte da síria conseguiram aproveitar a completa desestabilização do regime do ditador Bashar Al-Assad para iniciar um gigante passo rumo à autodeterminação e libertação nacional.

A revolução curda irrompe a cena dentro da Síria a partir da heroica batalha de Kobane, em que é expulso da região o Estado Islâmico, até então considerado invencível, e que vinha avançando sobre territórios de diferentes países, derrotando exércitos regulares extremamente bem armados. Pois o mesmo Estado Islâmico foi derrotado por trabalhadores mal treinados e mal armados, que assumiram a luta armada, na forma da guerrilha de massas. A partir daí, vitórias curdas sucessivas ciraram regiões autônomas com características de governo operário e camponês, similares a comunas, ao norte da Síria: Afrin, Kobane e Cizre. Após outras vitórias militares gloriosas, como a de Tell Abyad, as comunas de Kobane e Cizre se unificaram, colocando em perspectiva a unificação de toda esta região curda na Síria, conhecida como Rojava. A unidade territorial também passou a permitir a expansão da experiência comunal da revolução curda aos demais países da região.

O que não avança, retrocede

Lamentavelmente, a revolução dos trabalhadores curdos teve seu avanço barrado pelas tropas estrangeiras que ocupam ou intervêm no conflito, pelas traições da direção burguesa da oposição síria e pela falta de um programa e de uma linha política coerente por parte do PKK e da direção curda em Rojava, dirigida por este partido. O embrião de governo dos trabalhadores, a planificação da economia, a democracia direta, a expropriação da burguesia, etc., estão seriamente ameaçados, e tomam um rumo cada vez mais perigoso, não apenas para os curdos, mas para o conjunto dos povos do Oriente Médio.

Desde o início, o PYD – direção da revolução curda na Síria – nunca se propôs a enfrentar de modo consequente o inimigo numero 1 do povo sírio: Bashar Al-Assad. Desta maneira, nunca foi prioridade estratégica do PYD e das guerrilhas – YPG, YPJ – se colocarem na vanguarda da derrubada deste ditador genocida, que possui em sua conta quase meio milhão de mortos e milhões de feridos, desalojados de suas casas e refugiados. O eixo da luta no combate ao Estado Islâmico se justifica do ponto de vista tático, por ser a ameaça mais iminente e próxima durante vários meses. Mas, mesmo diante do confronto armado direto contra o EI, a luta sempre deveria ter expressado o combate estratégico e simultâneo contra Assad. A omissão parcial diante do combate a Assad chegou ao cúmulo de haver alguma tolerância diante da presença de tropas pró-regime dentro de Rojava, numa espécie de coexistência pacífica com quem sempre massacrou os curdos e segue massacrando todos os trabalhadores sírios e da região.

Na base desta ação de capitulação política gravíssima, que dá margem às calúnias de que os curdos fazem o jogo do imperialismo ou do governo genocida, enquanto seria o EI o maior combatente de ambos, está a tão defendida tese do “confederalismo democrático”, nascida do PKK e de seu maior dirigente, Ocalan, que teorizou sobre o abandono da luta pela independência nacional curda, em troca de uma espécie de autonomia cultural e política dentro dos limites nacionais de Estados burgueses da região.

Com a exceção dos períodos em que as tropas de Assad atacavam posições curdas e a resposta se limitava à defesa do território conquistado, a direção das guerrilhas curdas conteve o ímpeto revolucionário necessário para libertar de vez a região e os trabalhadores. Sem avançar, a revolução retrocedeu. Mais uma vez, a História repetiu a lição de que não é possível o socialismo num só país (muito menos numa região tão pequena), e de que só a revolução permanente pode derrotar o capitalismo e a exploração, assim como as opressões (neste caso, opressão nacional contra os curdos), hierarquizando a luta contra o imperialismo e os governos burgueses de plantão.

A política de, em ultima instância, se abster do enfrentamento direto e atém o final contra o carniceiro Assad é a expressão local da renúncia a defender de modo enfático a expulsão dos EUA da região. Por trás desta lógica, esteve sempre a tentativa de ser “deixado de lado” pela fúria assassina de Assad e ter algum apoio internacional de parte do imperialismo. Mas nada disso poderia ser duradouro, e foram os curdos os que foram usados neste tempo todo, e não o contrário. A partir do momento em que a revolução curda mais se preocupou em combater o Estado Islâmico, delegando este grupo como sendo o inimigo principal, todas as possibilidades de uma unificação entre os setores rebeldes para derrubar o domínio capitalista na região se relegou a uma hierarquia longínqua. Com as alianças cada vez mais profundas entre os dirigentes de Rojava com os Estados Unidos e até com a Rússia, a revolução curda acaba sendo utilizada como bucha de canhão na operação militar para a tomada do Califado islâmico e de sua “capital”, em Raqqa.

Essas alianças táticas demonstram um desvio estratégico que poderá sepultar a revolução. No inicio de 2017, um passo gravíssimo nesse sentido foi dado a partir da conformação de uma base militar dos EUA na cidade de Al-Hasakah com 800 militares das forças especiais. Na atual operação de “recuperação de Raqqa”, 500 efetivos norte americano estão participando em parceria com as SDF – Syrian Democratic Forces – dentro das quais atuam a YPG-YPJ. É corretíssimo marchar sobre Raqqa! Assim como, mais ainda, se deveria marchar sobre Damasco e derrubar Assad. E se deveria ter marchado sobre Aleppo, para salvar os combatentes que foram massacrados lá, assim como multidões de civis, que foram mortas ou tiveram que fugir.

Ao mesmo tempo, no mês de março de 2017, a Rússia estabeleceu uma base militar na comuna de Afrin, com a desculpa de “ajudar na luta contra o terrorismo”. Tudo isto com o aval dos dirigentes do PYD, das heroicas guerrilhas curdas – YPG, YPJ – e, sem sombra de dúvidas, também do PKK!

Tanto o imperialismo norteamericano quanto a Rússia querem permanecer em Rojava. Não para defender os interesses do povo curdo, mas para dominá-lo politicamente, saquear os recursos da região e controlar esta zona fundamental à geopolítica da região, além de interromper e desmontar a experiência comunal mais avançada dos últimos tempos. Enquanto isso, os principais terroristas (os governos burgueses) seguem sendo apoiados pelo imperialismo e seguem se defendendo como sócios de negócios, por mais que tenham diferenças: Recep Tayyip Erdogan, Bashar al Assad, Hassan Rohani, Masmud Barzani, Benjamin Netanyhau, etc.

Todos eles, encabeçados por Trump e Putin, são contra a construção da uma região autônoma ou de um novo Estado comandado por curdos. Pelo simples motivo de que este fenômeno conturbaria violentamente o controle capitalista no Oriente Médio, ao mesmo tempo em que dificultaria a exploração das riquezas locais.

É necessário romper qualquer subordinação, seja diante da burguesia internacional ou da nacional, e implementar a ditadura do proletariado em unidade com os demais explorados da região, numa guerra aberta e consequente em cada país do Oriente Médio contra os respectivos governos burgueses.

Defendemos incondicionalmente a revolução curda, mas deixamos claro que nenhuma vitória estratégica será conquistada sem a expulsão do imperialismo combinado a suas marionetes locais. Não ocorrerá libertação nacional, econômica, social ou de gênero sem a construção da Federação de Estados Operários do Oriente Médio, derrubando os inimigos à frente dos Estados capitalistas criados após a primeira guerra mundial.