#ELESNAO! A enxurrada de 40 milhões de não-votos mostram que uma grande parte população já entendeu que o problema maior não é um candidato ou outro: é o sistema! [7ª Parte]

Sempre que está desgastado e desmoralizado, o PT cria um "inimigo externo" para unificar os setores que até então o criticavam, sob o medo e o risco do "mal maior". Na década de 90, o PSDB era o mal maior, e o PT seria a salvação. Na vida real, o PSDB retirou direitos, privatizou e atacou aposentados, sendo derrotado em 2002 e dando lugar ao governo Lula, que retirou direitos, privatizou e atacou aposentados.

Mundo - 16 de outubro de 2018

7ª Parte da série “Balanço das Eleições 2018” 

A quem serve o discurso de “luta” contra o “fascismo”?

Sempre que está desgastado e desmoralizado, o PT cria um “inimigo externo” para unificar os setores que até então o criticavam, sob o medo e o risco do “mal maior”. Na década de 90, o PSDB era o mal maior, e o PT seria a salvação. Na vida real, o PSDB retirou direitos, privatizou e atacou aposentados, sendo derrotado em 2002 e dando lugar ao governo Lula, que retirou direitos, privatizou e atacou aposentados.

Mas o PSDB ainda era o partido da corrupção e da “privataria”. Até que estourou o escândalo do mensalão, do cuecão e do petrolão, e a bandeira da “ética na política” deixou definitivamente a propaganda do PT, que passou a chamar a luta contra a corrupção de “moralismo”, “reacionária”, “udenista”, “golpista”, etc. Cada vez mais o PT era o espelho do PSDB, e a cada eleição fazia malabarismos para seguir agradando ao mercado e aos banqueiros, empreiteiros e agroindustriais, para quem sempre governou, e de quem sempre recebeu as maiores verbas de campanha (mais até que o PSDB, desde 2002). Ao mesmo tempo, O PT tinha que manter a ilusão de parte de seus eleitores de que o neoliberalismo do PSDB era “mau” e o deles era “bom”.

A enganação deu certo em 2006, 2010 e 2014. A tática foi sempre a mesma: ameaçar com a volta das privatizações e medidas neoliberais. Mesmo que, como governo, aplicasse as mesmas medidas! Chegava outubro e o fantasma estava sempre à espreita: a volta do PSDB… Em 2014, o terrorismo midiático petista sobre o fim dos tempos que adviria da volta dos tucanos bradava que eles privatizarariam a Caixa e mexeriam nos direitos dos trabalhadores. Não adiantou Aécio dizer 100 vezes que não faria isso, pois se sabia que ele faria. Então, Dilma foi eleita para impedir ele de tomar estas medidas com o “voto crítico” de milhares de “ativistas de esquerda” que diziam que até não concordavam com o PT, mas era necessário votar contra o PSDB… E, com as urnas ainda quentes, foi Dilma quem anunciou exatamente todas as medidas que dizia que iria impedir…

Mas o PSDB só virou alvo do PT no 2 turno de 2014, No 1o, o grande alvo de fake news e uma campanha violenta foi Marina Silva, que poderia ir ao 2o turno e ganhar a eleição. O PT, então, poupava o PSDB (a quem queria no 2o turno, pois sabia que poderia fazer o jogo do “bom x mau” mais fácil), e colocava propagandas no ar que diziam que a comida sumiria da mesa no caso de Marina ganhar… Outra vez, a direção do PT conseguiu seu propósito…

Dilma, reeleita e à frente do governo pior avaliado de todos os tempos até então, e com o país afundado na maior recessão de sua História, entre outras coisas por estar faltando comida na mesa da população e direitos terem sido cortados, viu a imensa maioria da população querendo o fim de seu governo. O PT, então, fez uma autocrítica, ou mudou seu rumo? Não. Apenas reinventou sua narrativa e passou a ser o partido que resistiria ao “golpe”. Um novo fantasma foi criado…

O “golpismo”, aliás, passou a ser o grande mote petista desde então. A “esquerda” já cansada de todas as traições do PT e enganada vergonhosamente uma vez atrás da outra foi levada a escolher entre “a democracia e os golpistas”. Como uma novela barata, com uma trama péssima, atores canastrões e em que todos já sabem o fim da história, pela centésima vez, muitos dos que já haviam jurado que “agora, o PT passou dos limites e eu não voto nunca mais” voltaram às suas redes sociais e se engajaram na nova cruzada: não era pelo PT; era contra o golpe… Mas o repertório nunca acaba. Se já está manjado, muda-se o nome dos personagens e recomeça tudo outra vez. Agora, o fantasma é o fascismo…

O mais impressionante para os que, como nós, observam sem aderir à esta ópera-bufa, à esta comédia pastelão, que não tem graça nenhuma, pois arrasta milhões de pessoas à paralisia sem lutar, esperando uma salvação de quem os ataca, sempre com medo de um caos e um de um fim dos mundos artificialmente fabricado, é que, assim como nos piores roteiros, os personagens mudam de lado sem nenhuma explicação.

A Globo era inimiga, mas por 14 anos ganhou bilhões e foi aliada, mas depois voltou a ser inimiga e golpista, para agora ser aliada de novo, pois ao menos é “democrata contra o fascismo”. O PMDB era inimigo, virou aliado, vice por 6 anos, e depois caiu em desgraça como golpista, mas agora é democrata e aliado de novo, como deixa claro o apoio do PT à família Barbalho no Pará. Democrata e aliado também voltou a ser FHC, que era golpista até algumas semanas atrás, e foi inimigo por 20 anos, mas, antes disso tudo era aliado, lá no início dos anos 80… Bolsonaro era da base de apoio e cabo eleitoral em 1994 e 2002, mas agora é a encarnação do diabo… O “coiso”…

George Orwell, autor de livros geniais como “A Revolução dos Bichos” e “1984”, mais que um escritor era um defensor do socialismo, mas profundo crítico do stalinismo, e ficaria espantado com tanta simetria de suas ficções com o que vemos hoje. Em “1984”, o mundo é dividido em três grandes blocos: Eurásia, Lestásia e Oceania que estão sempre em guerras e alianças, alternadamente. Na Oceania, bloco governado pelo Partido cujo chefe é o onisciente e infalível “Big Brother”, o “Ministério da Verdade” é o setor do governo encarregado de recontar a verdade milhares de vezes por dia, cada vez que o contexto político se altera. A Oceania estava em guerra com a Eurásia e era aliada da Lestásia, mas agora as coisas se inverteram, logo os jornais são reescritos e “nunca houve guerra contra a Eurásia”. “A guerra sempre foi com a Lestásia”. Assim, o Partido nunca se engana ou erra e os cidadãos não possuem memória. Qualquer semelhança com a realidade atual não é mera coincidência…

É tanta falta de coerência que poderia ser inacreditável que desse certo sempre… Mas esta tática é brilhante e consiste na velha lógica de estabelecer um inimigo maior e apelar ao “bom senso da escolha do mal menor”. Faz séculos que isso é aplicado e vem funcionando. O stalinismo foi um dos campeões da aplicação desta falácia. “Ruim comigo, pior com eles”…  “Quem critica nossas ações faz o jogo ou é agente do inimigo”… e assim por diante. Gerações de militantes valiosos foram ganhos para este raciocínio tão tacanho quanto eficiente, pois dialoga com o senso comum, com o medo, a inércia e a acomodação social que pressionam a imensa maioria das pessoas, inclusive dos trabalhadores, que só aderem à revolução em casos absolutamente extremos, desesperadores, e que estão quase sempre dispostos a encontrar uma solução mágica e de menor esforço, um mal menor confortável e que exige menos suor.

O PT sabe jogar com este atraso e este medo como ninguém. E o número de enganados pelo PT, mais uma vez, não é pequeno. O fantasma, agora vestido de fantasma do fascismo, enganou muita gente outra vez, Mas desta vez, parece que não será o suficiente. Suas traições foram longe demais. Abandonado pela classe trabalhadora gradativamente entre 2012 e 2016, passando pelo levante de 2013 e manifestações de massa contra a Copa em 2014, o PT foi derrubado com o apoio das massas, que vibraram pela queda de Dilma e não suportam mais as mentiras do PT, ao ponto de estarem por um fio de eleger um candidato truculento, com declarações desastrosas e inimigo dos trabalhadores cujo maior “mérito” aos olhos do eleitorado é ser anti-PT.

A verdade é que não existe fascismo nenhum nas ruas do Brasil, nem o governo Bolsonaro representará uma mudança de regime político. Não existirá uma ditadura no país e a democracia-burguesa, que é, sempre foi e continuará sendo uma das facetas da ditadura da burguesia contra os trabalhadores, seguirá usando a reação democrática e a ilusão eleitoral para manter a massa paralisada. A tática principal da burguesia mundial hoje é a de convencer a massa que se a vida está ruim, o voto é a principal arma, e as eleições são o grande momento para garantir avanços ou evitar retrocessos. Uma mentira que todos os candidatos repetem, incluindo Haddad, Bolsonaro, Guilherme Boulos, Ciro Gomes, etc.

O fascismo é um produto de uma inexistência de alternativas para uma burguesia ameaçada de perder tudo, que apela ao fascismo como um fenômeno histórico de violência brutal e generalizada, incluindo a liquidação física de milhões de trabalhadores, a destruição de suas organizações e do próprio conjunto de instituições burguesas tradicionais. Para ser implantado, exige um proletariado destruído e uma correlação de forças amplamente favorável à burguesia. Sob qualquer aspecto que se analise a realidade e a comparação histórica com os fascismos reais que tragicamente a luta de classes já presenciou, nossa situação atual não tem absolutamente nada a ver com isto. Marx disse que a História acontece como tragédia e depois se repete como farsa. Pois a farsa poucas vezes foi tão patética como agora.

Mesmo no auge da “luta contra o fascismo” e “pela civilização”, o PT segue dando declarações e construindo alianças cada vez mais à direita, sem realizar um único chamado à luta nas ruas ou a um programa de combate ao “fascismo” com medidas claras anticapitalistas, já que o fascismo só existiu na História para defender com armas na mão e banhos de sangue um capitalismo que estivesse ameaçado de ser derrubado pelos trabalhadores. Caso houvesse mesmo um movimento fascista concreto, votar no Haddad para impedir isso não seria cômico, nem seria só trágico. Seria vergonhoso mesmo…