#ELESNAO! A enxurrada de 40 milhões de não-votos mostram que uma grande parte população já entendeu que o problema maior não é um candidato ou outro: é o sistema! [15ª Parte]

O capitalismo, apesar de sua colossal crise econômica estrutural, em que as forças produtivas há décadas já pararam de crescer, sobrevive e muitas vezes de forma aparentemente tão tranquila, por uma série de fatores, mas, sem dúvida, uma das maiores razões de sua força é a ilusão que desperta em grandes massas de que a vida, por pior que seja, sempre poderá ser mudada pelo voto.

Nacional - 27 de outubro de 2018

15ª Parte da série “Balanço das Eleições 2018”

A tragédia da reação democrática

O capitalismo, apesar de sua colossal crise econômica estrutural, em que as forças produtivas há décadas já pararam de crescer, sobrevive e muitas vezes de forma aparentemente tão tranquila, por uma série de fatores, mas, sem dúvida, uma das maiores razões de sua força é a ilusão que desperta em grandes massas de que a vida, por pior que seja, sempre poderá ser mudada pelo voto.

Esta crença é completamente falsa e infundada, pois nunca, em nenhum lugar do planeta, nem em âmbito nacional, nem estadual, nem municipal, algum governo eleito acabou com a exploração aos trabalhadores, com a discriminação aos setores oprimidos ou qualquer outra grande conquista. Há governos menos piores do que outros, é claro, mas todos são parte da manutenção do estado de coisas atual. Todos os partidos e setores da classe burguesa já estiveram no poder, em diferentes ocasiões, assim como a quase totalidade dos partidos que surgiram como partidos da classe trabalhadora, e nada de significativo foi feito pelos trabalhadores. Ao contrário, a vida em geral só se deteriora, com menos direitos, mais exploração, mais pobreza, mais destruição ambiental…

Nacionalistas, privatistas, social-democratas, neoliberais, intervencionistas, Frentes Populares; todas versões diferentes da mesma coisa: governos capitalistas, em que bancos e grandes empresários ganham muito, e a imensa maioria da população sempre perde. E isso não é por acaso: as regras do jogo eleitoral, dentro do capitalismo, foram feitas para impedir que o sistema seja mudado. Assim, podem mudar os nomes e as siglas, mas o sistema de exploração se mantém intacto.

No Brasil, para poder concorrer a algum cargo eletivo, é preciso estar filiado a um partido legalizado junto ao TSE e ser aprovado pela cúpula deste partido como um candidato. Por isso, quase todos os que são registrados para concorrer já estão comprometidos com a manutenção do atual sistema, no máximo querendo melhorá-lo por dentro. Entre os candidatos aos cargos executivos, com alguma chance de ser eleitos, mesmo que remota, 100% são variantes da mesma exploração e corrupção que já castigam a classe trabalhadora há muito tempo.

Mas, hipoteticamente, se um candidato revolucionário ganhasse as eleições para presidente ou para governador em algum estado, o que é absolutamente impossível com as regras do jogo feitas pelos próprios burgueses, este eleito não conseguiria mudar quase nada. O parlamento seguiria burguês e não aprovaria leis que fossem contra seu próprio sistema; o Judiciário, caso estas leis fossem aprovadas, as declararia ilegais e perseguiria quem agisse “fora da lei” deles mesmos; e as Forças Armadas, no caso de tudo sair do controle, viriam com a violência direta, reprimindo, destituindo mandatos e impondo a dominação capitalista na marra.

Por isso, não há nenhuma hipótese de mudar de verdade po dentro do capitalismo. Todos os que diziam que fariam isso já governaram e nada fizeram ou puderam fazer. Allende foi derrubado por um golpe militar em 1973 no Chile. Todos os partidos “socialistas” europeus, o PT no Brasil, os “socialistas” no restante da América Latina  e outros continentes já governaram; e foram dezenas de experiências, sem que nenhuma tenha mudado nada de importante.

Lech Valesa na Polônia dos anos 80, Miterrand na mesma época na França, Tony Blair no Reino Unido dos anos 90 e o chavismo e seus aliados latino-americanos (Evo Morales, Rafael Correa, Daniel Ortega, etc.) nos anos 2000 foram outros exemplos de enormes multidões iludidas com uma mudança popular por meio das urnas, que só virou decepção, ataque aos trabalhadores e manutenção da burguesia no seu mesmo lugar. Outro ponto comum nestes casos, foi a traição de setores que se diziam revolucionários e apoiaram todas estas experiências fracassadas e capitalistas, travestidas de “socialismo, 3a via, socialismo do século XXI, etc.”.

Neste exato momento, partidos ainda “mais radicais e mais de esquerda” governam a Grécia – o Syriza –  e regiões da Espanha – o Podemos. E são estrondosos fracassos! Já atacaram trabalhadores, foram incapazes de defender seriamente os imigrantes, privatizaram incontáveis empresas, promoveram reformas neoliberais na Previdência e outras áreas, e sistematicamente desmobilizaram as lutas para canalizar a energia popular para as urnas. No México, acaba de assumir o governo do PRD, do “esquerdista” Lopez Obrador, e também já podemos assegurar que será outro governo burguês que não mudará coisa alguma.

Ou seja, as eleições são um jogo de cartas marcadas em que, ganhe quem ganhar, a vida não vai mudar. Há 50 tons de capitalismo, uns até disfarçados de comunismo, mas todos acabam sendo farinhas do mesmo saco. No entanto, apesar das eleições nunca terem levado a lugar nenhum e cada vez mais serem desacreditadas, como indicam fenômenos como os “indignados” na Espanha, grupos de luta em outros locais e o não-voto massivo de dezenas de milhões de pessoas no Brasil, o capitalismo ainda se sustenta em pé por causa desta ilusão eleitoral. Chamada de reação democrática, ela permanece paralisando multidões, que não rompem com o sistema e estão sempre realimentando a fantasia de uma nova salvação, que nunca vem.

As organizações majoritárias entre a esquerda, profundamente oportunistas e pró-capitalistas, são parte da reação democrática, sempre se esforçando para voltar a fazer os trabalhadores acreditarem nas instituições capitalistas, mesmo quando eles estão rompendo com elas. Um revolucionário deveria utilizar as eleições para desmascarar o sistema e chamar à luta. O reformista faz o oposto: utiliza as lutas para promover seus candidatos e apontar a saída eleitoral como a da mudança.

Mas a conciliação de classes dos reformistas não se resume a alimentar ilusões institucionais em si mesmos e em seus candidatos “socialistas”. Para terem mais chances de serem eleitos, ainda tentam convencer os trabalhadores de que é preciso se aliar ou apoiar setores burgueses. É o que fazem hoje os setores que apoiam Haddad, ou que apoiaram Ciro Gomes/Kátia Abreu no 1o turno. Enganam, mentem e traem os trabalhadores dizendo que um burguês é a alternativa para defender seus diretos ou a democracia. E esta vergonha não é uma novidade.

No Brasil, esta tática eleitoreira e oportunista, de alternar a apresentação de candidaturas próprias com um programa de reformas dentro do capitalismo, com o apoio a setores burgueses “progressistas”, sempre foi característica dos partidos stalinistas, notadamente o PCB. De 1937 a 1945, Getúlio Vargas governou ditatorialmente, tendo prendido, torturado e matado militantes comunistas em seu governo. Num dos episódios mais emblemáticos, Vargas deportou para a Alemanha nazista a militante do PCB Olga Benário, esposa de Luís Carlos Prestes, o principal dirigente do partido. Olga era de origem judia e estava grávida. Hitler a prendeu num campo de concentração, até ela ter sua filha, e a assassinou logo depois. Pois depois de tudo isso, o PCB e Prestes ainda defenderam a candidatura de Getúlio Vargas em 45. Voltaram a fazê-lo na década de 50. Depois, apoiaram o sucessor de Getúlio como burguês “nacionalista e progressivo”, Jango, que, assim, como Getúlio, não apenas aprofundou as medidas capitalistas no Brasil, como pavimentou passivamente o caminho para os que conspiravam contra seus governos. No caso de Jango, isto levou ao golpe militar de 1964.

Na ditadura, o PCB foi uma linha auxiliar, covarde e oportunista, do MDB, sucessor de parte do PTB de Vargas e Jango, mas ainda mais à direita e legitimador da ditadura. Veio a redemocratização nos anos 80, mas o PCB e sua dissidência, o PCdoB, seguiram dentro do PMDB até 1985, quando ainda apoiaram Tancredo, enquanto o único com uma postura classista foi o PT, votando nulo. De lá para cá, os PCs e o PT, que nasceu classista e à esquerda de ambos, passaram ao outro lado da trincheira e fizeram mil e uma coligações com todos os tipos de burgueses, oligarcas, reacionários e corruptos…  Sempre tratando de desviar as lutas para dentro da democracia-burguesa.

Mesmo quando Collor foi derrubado, em 1992, o PT e seus satélites stalinistas trataram de frear as massas (que num primeiro momento saíram às ruas pelo Fora Collor contra a posição deles, que criticavam a derrubada do governo). A política do PT era “Feliz 1994”, esperando a eleição de Lula. Mas, no meio do caminho, veio o Plano Real, que o PT foi contra, para depois se render a ele, e o PSDB de FHC governaria até 2002.

Aí então, neste ano, a famosa “Carta ao Povo Brasileiro” selou a passagem de vez do PT para o campo da burguesia, aliado ao burguês José Alencar, e seu PL, o partido da reacionária Igreja Universal. PCB, PCdoB e os setores que depois deram origem ao PSOL estavam todos juntos nesta campanha desde o início, e todos fizeram parte do governo burguês de Lula, ao menos no seu início, quando aprovou a Reforma da Previdência, que foi um dos maiores ataques já desferidos contra os trabalhadores.

Ainda vimos 2006, com Lula ainda mais à direita e o recente PSOL e o PSTU com uma candidatura de Frente Popular de Heloísa Helena, burguesa dos pés à cabeça por seu conteúdo. 2010 e 2014 foram repetições do mesmo cenário, com pequenas variações. Em nenhum momento, as eleições foram pontos de partida para a luta. Ao contrário, toda luta que ocorria, em geral por fora dos partidos traidores, era desmontada para virar voto na próxima eleição. Até mesmo o levante popular de 2013, que abriu a possibilidade de uma situação revolucionária no Brasil, foi desmoralizado pelos partidos reformistas, que foram pegos de surpresa e só aderiram aos atos, ainda assim para tentar domesticá-los, na segunda metade das manifestações.

Esta constante opção de conciliação de classe não é um erro ou uma ingenuidade. Militantes de base acabam cometendo estes erros e são ingênuos; mas as direções destas organizações conscientemente aplicam uma política contrarrevolucionária, de desmonte do processo insurrecional. Por quê? Porque estão adaptadas ao capitalismo. Parlamentares, burocratas sindicais e uma infinidade de outros beneficiados por seu quinhão capitalista, já se adaptaram socialmente e temem a revolução mais do que qualquer outra coisa. Diferente do que Marx disse dos trabalhadores, que “não têm nada a perder, a não ser suas próprias correntes” ao lutar pela revolução, os reformistas têm muito a perder e não querem colocar seu conforto, cargos e acomodação a perder.

Mesmo quando fazem “oposição” aos governos frente-populistas que estão sempre tendo seu apoio explícito ou disfarçado “contra a direita”, é uma oposição de araque, que não se dispõe a seriamente ameaçá-los. É a oposição em dias de festa!

Quando vão bem os governos de Frente Popular, ou diretamente burgueses, ainda que com aparência de esquerda, como os do PT se tornaram no Brasil, esta oposição fajuta se sente à vontade para fazer críticas. Mas basta que algo ameace a estabilidade destes governos, para que seus “críticos” reformistas pulem para dentro do bolso dos governos burgueses de plantão, e se alinhem ao discurso “contra a direita, contra o fascismo, contra o golpe”…

Bastou Dilma correr o risco de perder a eleição para Aécio em 2014, para que grande parte da esquerda abrisse mão de suas posições e aderisse ao PT. Bastou multidões saírem às ruas para derrubar Dilma em 2015, culminando no impeachment controlado de 2016, para os mesmos setores gritarem “golpe” em defesa do governo burguês de plantão. Por isso, mesmo que queiram alegar que o apoio a Haddad desta vez é diferente de todas as outras vezes, o fato é que mudam as desculpas, mas a capitulação ao PT é uma constante para a esquerda reformista.

Bolsonaro é só o atual bode expiatório para a capitulação. Como foi Aécio há 4 anos e Temer há 2… Como escreveu Cazuza, “eu vejo o futuro repetir o passado” e a traição dos reformistas “é um museu de grandes novidades”…