Derrotar o golpe em Mianmar e apoiar as mobilizações de massa contra o governo militar.

Diante do enfraquecimento do governo civil, o exército de Mianmar derrubou o governo eleito do país no dia 1º de fevereiro, prendeu líderes políticos, fechou o acesso à internet e suspendeu os voos ao país. Apesar da forte repressão e da lei marcial, as massas saíram para lutar!

Internacional - 15 de fevereiro de 2021

Diante do enfraquecimento do governo civil, o exército de Mianmar derrubou o governo eleito do país no dia 1º de fevereiro, prendeu líderes políticos, fechou o acesso à internet e suspendeu os voos ao país. Apesar da forte repressão e da lei marcial, as massas saíram para lutar!

Convocamos os trabalhadores para que não depositem qualquer confiança na oposição de direita, que até agora não conseguiu romper com os laços herdados da época colonial e com o poder das Forças Armadas. A “burguesia democrática” e seus principais dirigentes são incapazes de atender às justas demandas trabalhistas, políticas, nacionais e democráticas das grandes maiorias.

 Não é possível conciliação com ditadores e genocidas.

Mianmar, país do sudeste da Ásia, era chamado de Birmânia até 1989 e se tornou independente em 1948, no processo de desmantelamento do Império Britânico ocorrido após o fim da 2ª Guerra Mundial. Um ano antes, na mesma região, Índia e Paquistão também haviam se tornado independentes e o anticolonialismo se multiplicava pelo mundo.

Como forma de deter pretensões da classe trabalhadora, que se fortalecia com a expulsão do domínio colonial e reivindicava também democracia, direitos sociais e poder popular (e que levou a revoluções vitoriosas, como a Chinesa em 1949), as burguesias locais trataram de impor ditaduras colaboracionistas com o imperialismo, administrando uma independência parcial e que mantinha a falta de liberdade e a exploração contra a maioria das populações.

Em Mianmar, a ditadura foi implantada em 1962 e durou até 2011, por quase 50 anos. Após uma crise profunda do regime militar, retomou-se a democracia burguesa há 10 anos, mas sempre sob a forte influência das Forças Armadas, que mantiveram o controle de grandes empresas; o direito à indicação de ministros; uma fortuna intocada; e o controle do exército, aeronáutica e marinha sem prestar satisfação aos governos civis.

O golpe militar ocorrido é mais um exemplo na História, dentre tantos, que deixam claro que não há conciliação possível com ditadores, criminosos contra os direitos humanos e inimigos dos trabalhadores e da liberdade dos povos.

Um golpe para impor de modo mais direto a exploração capitalista, sem resistência da burguesia e do regime democrático-burguês.

Os militares entregaram a chefia do novo governo ao atual chefe do Exército, general Aung Hlaing, que deveria se aposentar nos próximos meses por já ser bastante idoso. O general controla grandes empresas, beneficiadas ao longo de décadas com dinheiro público e influência estatal. A democracia-burguesa recém derrubada partilhava o poder e a riqueza com os militares, e Hlaing presidia dois conglomerados empresariais e podia indicar três cargos chaves do gabinete do governo civil, controlando a polícia e a guarda de fronteiras.

Os militares nunca deixaram de governar, passando do controle direto e ditatorial em 2011 a um controle conjunto com o governo civil desde então. Na última década, inclusive seguiram massacrando minorias étnicas como os rohingya, os shan e os kokang.

Como perceberam que a democracia burguesa, que inspirava fortes esperanças e ilusões há 10 anos, vinha sendo desmoralizada pelos governos capitalistas e de conciliação com a estrutura ditatorial, se sentiram à vontade de retomar a ditadura, impedindo mudanças que o povo poderia impor ao governo civil, após eleições ocorridas em novembro de 2020.

Assim, perpetraram um golpe, que foi lamentado por políticos e parte da burguesia, mas não foi combatido por nenhum destes setores. Na prática, a burguesia só quer continuar seus negócios e derrotar as lutas dos trabalhadores. O governo civil deposto e os militares golpistas disputam o controle de quem vai encabeçar os ataques contra a maioria da população. São inimigos circunstanciais, mas aliados de classe estratégicos no combate aos trabalhadores.

Os militares bloquearam as estradas ao redor da capital com tropas, caminhões e veículos blindados, enquanto os helicópteros militares sobrevoavam a cidade, e derrubaram o sinal de internet e telefonia móvel em todo o país. Eles assumiram o controle da infraestrutura do país, suspenderam as transmissões de televisão, cancelaram os voos domésticos e internacionais e detiveram membros do NDL (principal partido do país) e líderes civis de Mianmar (inclusive a líder Aung San Suu Kyi e o presidente, U Win Myint), juntamente com ministros, governadores regionais, políticos da oposição, escritores e ativistas.

O golpe foi anunciado, sem maiores conflitos, em uma estação de TV que pertence aos militares. Um apresentador citou a Constituição de 2008, que permite aos militares declarar uma emergência nacional, e o estado de emergência ficará em vigor por um ano.

Aung San Suu Kyi: de líder opositora a genocida e prisioneira.

Suu Kyi é filha do líder da independência de Mianmar, o general Aung San, assassinado quando ela tinha apenas dois anos de idade. Após períodos vivendo na Índia, Japão, Butão e Inglaterra, ela voltou ao país natal em 1988, quando manifestações de massa abalavam a ditadura e expressavam um Ascenso revolucionário que também se espalhava pela Ásia e pelo mundo. Em 1989, cairia o muro de Berlim, e ocorreriam as gigantescas manifestações na China, que culminaram no Massacre da Praça Tiananmen. A então Birmânia era muito ligada à China e as ruas do país exalavam lutas quando Suu Kyi voltou ao país.

Milhares de estudantes, trabalhadores e monges saíam às ruas para pedir reformas democráticas. E Suu Kyi foi rapidamente alçada à categoria de líder de uma revolta contra o então ditador general Ne Win. Tratando de derrotar os setores mais combativos das lutas, ela criou uma campanha centrada praticamente apenas na luta por direitos civis, tentando se converter numa versão birmanesa de Martin Luther King (EUA) ou Mahatma Gandhi (Índia). Ela organizou comícios e viajou pelo país, pedindo reforma democrática pacífica e eleições livres. Mas as manifestações foram brutalmente reprimidas pelo Exército, que fechou ainda mais o regime com um golpe no dia 18 de setembro de 1988.

O governo militar convocou eleições nacionais em 1990, e o partido de Suu Kyi venceu o pleito, apesar de ela estar sob prisão domiciliar e de ter sido impedida de participar da votação. Mas a junta se recusou a entregar o poder, deixou Suu Kyi ficou presa entre 1989 e 1995. Durante o período em que esteve presa, ela negociou o fim das manifestações com o governo militar em troca de sua libertação. A líder voltaria a ser presa pela ditadura depois, e ficou detida durante 15 anos ao todo. Ela venceu o prêmio Nobel da Paz em 1991, quando estava em prisão domiciliar, e saiu em 2010, se tornando a maior líder civil no processo que desencadeou a queda da ditadura em 2011. Mas, outra vez livre e agora como principal liderança do novo governo civil, outra vez manteve os militares com uma enorme quantidade de poderes.

Desde então, Aung San Suu Kyi, na prática, foi a líder do país. Oficialmente, o cargo dela é o de presidente do NLD, o maior partido, que governava até 1º de fevereiro. O NDL e Suu Kyi, no entanto, governaram totalmente aliados aos militares da ditadura que havia sido encerrada.

Em 2015, com a vitória de seu partido nas eleições gerais, ela se tornou ainda mais poderosa, ocupando os cargos de 1ª Conselheira de Estado e chanceler do governo. Nos últimos cinco anos, Suu Kyi e a Liga Nacional para a Democracia (NLD), governaram, mas a Constituição do país manteve um quarto de todas as cadeiras no Parlamento e o controle dos ministérios mais poderosos do país nas mãos dos militares, e Suu Kyi não fez nada contra isso.

Ao contrário: ela encabeçou a repressão armada à minoria étnica muçulmana Rohingya, historicamente massacrados pela ditadura. Junto do exército, o governo do seu partido assassinou dezenas de milhares de pessoas, numa limpeza étnica marcada por estupros, assassinatos e genocídio. Em todos estes anos, Aung San Suu Kyi nunca condenou os militares nem reconheceu nenhuma atrocidade. Em 2017, milhares de Rohingya foram obrigados a fugir para Bangladesh, país vizinho, devido à repressão do Exército provocada por atos de resistência contra delegacias de polícia no Estado de Rakhine.

Suu Kyi chegou ao cúmulo de representar Minmar diante do Tribunal Internacional de Justiça, instância da Organização das Nações Unidas (ONU), onde ela negou as acusações de limpeza étnica e defendeu as ações dos militares. Suu Kyi assumiu a linha de frente do discurso nacionalista, xenofóbico e genocida, se desmoralizando mundialmente, mas ganhando popularidade entre os setores mais reacionários do país, bem como se aproximando mais dos militares.

Mas nada disso adiantou. Agora, seu governo foi deposto e ela está presa novamente, sem o apoio internacional que tinha antes de sujar suas mãos de sangue. Aung San Suu Kyi pediu que a população não aceite o golpe de Estado feito por militares, mas ela já é uma sombra da liderança popular que já foi.

Suu Kyi e o NDL são culpados de genocídio!

Mianmar tem cerca de 50 milhões de habitantes, que são majoritariamente budistas. O povo rohingya é majoritariamente muçulmano e é considerado apátrida (sem nacionalidade), vivendo sem praticamente nenhum direito social ou civil. Em Minamar, são considerados bengalis (de Bangladesh) e em Bangladesh, são considerados birmaneses (de Mianmar). O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), aporvou na ONU uma resolução em 2014 exigindo que Mianmar permitisse o acesso à cidadania e direitos civis mínimos para esta minoria, que é proibida de votar, se casar, viajar sem a permissão das autoridades e até mesmo de possuir qualquer terra ou propriedade.

O povo rohingya representa cerca de 5% dos habitantes de Mianmar, e eles afirmam serem indígenas do Estado de Rakhine, anteriormente conhecido como Arakan, no oeste do país, um povo à parte dos bengalis e birmaneses. Mas, desde 1948, quando Mianmar se tornou independente, eles têm sido vítimas de tortura, negligência e repressão.

Os rohingyas vivem praticamente confinados no estado de Rakhine, sob políticas de discriminação racial parecidas com o Apartheid na África do Sul. Uma lei da década de 1980 diz que apenas grupos étnicos que podem demonstrar sua presença no território antes de 1823 podem obter a nacionalidade. Desde 2011, após a dissolução da junta militar, este povo passou a exigir seus direitos, e um movimento comandado por monges budistas nacionalistas instigou a perseguição contra os muçulmanos, afirmando que a minoria representa uma ameaça para Mianmar.

Considerados estrangeiros em Mianmar, os rohingyas são vítimas de múltiplas discriminações: trabalho forçado, extorsão, restrições à liberdade de circulação, regras de casamento injustas e confisco de terras. Nos últimos anos, milhares de rohingyas fugiram de Mianmar para a Malásia, Indonésia e Bangladesh.

Em 2012, duas ondas de violência promovidas por terroristas budistas, uma em junho e a outra em outubro, destruíram centenas de casas e edificações muçulmanas, mataram muitas pessoas e deixaram 100 mil desabrigados. Em 2017, um massacre de grandes proporções foi implementado. Há um genocídio explícito, e Aung San Suu Kyi é tão genocida como os militares que a prenderam, mas que governaram com ela e seu partido nos últimos anos.

1948: Ex-colônia britânica, Mianmar se torna um país independente

1962: o general Ne Win instaura um regime militar

1974: Começa a vigorar a primeira constituição pós-independência

1988: Repressão violenta a protestos contra o regime militar gera críticas internacionais

1990: Liga Nacional pela Democracia (NLD), de oposição ao regime, vence a primeira eleição multipartidária em 30 anos e é impedida de assumir o poder

1991: Aung San Suu Kyi, da NLD, ganha o Nobel da Paz

1997: EUA e UE impõem sanções contra Mianmar por violações de direitos humanos.

2008: Assembleia aprova nova Constituição

2011: Thein Sein, general da reserva, é eleito presidente e o regime militar é dissolvido

2015: NLD conquista maioria nas duas Casas do Parlamento

2016: Htin Kyaw é eleito do primeiro presidente civil desde o golpe de 1962 e Suu Kye assume como Conselheira de Estado, cargo equivalente ao de primeira-ministra

2018: Kyaw renuncia e Win Myint assume a Presidência

2020: Em eleições parlamentares, NLD recebe 83% dos votos e derrota partido pró-militar

2021: Militares alegam fraude, prendem lideranças da NLD, e dão novo golpe de Estado

É preciso uma revolução dos trabalhadores de Mianmar!

Os 10 anos de democracia-burguesa mantiveram Mianmar como um dos países mais pobres do mundo, sem direitos sociais, praticamente sem liberdades civis e à frente de um genocídio étnico. O novo golpe militar deve ser repudiado imediatamente e com força pela classe trabalhadora. O exército quer esmagar o pouco de concessões que setores populares conseguiram arrancar nos últimos anos. Mas não adianta lutar apenas contra o governo militar.

Aung San Suu Kyi e o NLD mostraram que também são inimigos dos trabalhadores: governaram junto com os golpistas nos últimos anos e se acovardam em lutar contra eles depois do golpe. Os trabalhadores de Mianmar, budistas e muçulmanos, birmaneses e rohingya, devem se unir como classe explorada contra a ditadura e rechaçando a oposição burguesa do NLD.

É preciso derrubar a Constituição ditatorial que nunca foi alterada. É urgente dissolver as Forças Armadas, prender e julgar os crimes dos integrantes da antiga ditadura, e da nova ditadura que acaba de surgir.

Os militares alegam que houve fraude nas eleições de novembro, em que o NLD anunciou ter tido mais de 80% dos votos. Enquanto isso, o Partido da Solidariedade e Desenvolvimento da União (USDP), apoiado pelos militares, teve um fracasso completo. A comissão eleitoral (UEC) realmente não conseguiu explicar uma série de denúncias de irregularidades. Mas as eleições de Mianmar não foram mais fraudulentas do que praticamente todas as eleições burguesas nas dezenas de outros países pelo mundo. O golpe não ocorreu por causa disso, e sim para tentar esmagar as reivindicações dos trabalhadores, aprofundando os ataques que Suu Kyi e o NLD já faziam.

Por tudo isso, os trabalhadores devem construir uma alternativa própria, independente da burguesia, lutar pelo fim da herança colonial, destruir as Forças Armadas burguesas, acabar com a atual Constituição e construir novos organismos de poder popular. Só a classe operária e demais oprimidos da nação podem, com suas mobilizações, derrotar a junta militar, romper para sempre com o imperialismo e resgatar a soberania e a independência nacionais. Para isso, eles devem se organizar fora das organizações burguesas como a NLD e líderes como Aung San Suu Kyi ou o presidente U Win Myint.

O povo deve lutar para derrubar todo o sistema, ocupar fábricas e construir uma greve geral e uma resistência baseada em organismos de autodefesa e assembleias dos bairros, dos locais de trabalho e dos povos oprimidos. O golpe não mostra que os militares estão fortes, e sim que estão enfraquecidos e ameaçados pelas lutas populares. E a democracia-burguesa em crise foi derrubada porque não conseguiu deter a luta de classes. Agora, é preciso mobilizar mais ainda e apresentar um programa revolucionário, socialista e igualitário que una os 99% dos explorados contra todos os políticos burgueses e militares.

Movimento Revolucionário Socialista