Covid-19 chega a indígenas e é preciso impedir o crescimento do contágio.

O anúncio do primeiro caso de coronavírus em uma reserva indígena do Brasil chamou a atenção para a situação dos povos autóctones, que correm um risco ainda maior com a pandemia. Essas populações, especialmente as que se isolaram voluntariamente, são historicamente muito mais vulneráveis a doenças vindas do exterior porque não são imunizadas contra muitas patologias.

Nacional - 6 de abril de 2020

O anúncio do primeiro caso de coronavírus em uma reserva indígena do Brasil chamou a atenção para a situação dos povos autóctones, que correm um risco ainda maior com a pandemia. Essas populações, especialmente as que se isolaram voluntariamente, são historicamente muito mais vulneráveis a doenças vindas do exterior porque não são imunizadas contra muitas patologias.

Além da não imunização e maior risco de contágio entre os indígenas, tema que é parcialmente controverso, com divergências entre especialistas, os indígenas são mais vulneráveis por razões sociais inquestionáveis: não têm acesso a serviços de saúde, vivendo em aldeias distantes de hospitais, sem saneamento, fornecimento de remédios por perto e em comunidades onde, cultural e socialmente, tudo é feito de modo coletivo.

Além de haver um 1º caso de infecção confirmado, há casos suspeitos em várias regiões, como entre os pataxós, marubos e outras etnias, sempre após haver contato com turistas estrangeiros. A saúde indígena, sistema criado dentro do SUS (Sistema Único de Saúde) para atender a esses povos, tem poucos recursos e infraestrutura para tratar casos graves, como pode ser necessário no caso de propagação do novo vírus.

A falta de acesso à saúde também tem relação com a geografia. A maior parte das populações indígenas vive em aldeias distantes e de difícil acesso, em lugares como a floresta amazônica. Às vezes, quando é necessário o tratamento em hospital, quem vive nessas regiões leva horas ou dias para chegar ao serviço de saúde mais próximo.

896,9 mil é o número de indígenas no Brasil, segundo censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística); deles, 64% estão na zona rural e 36%, nas cidades, e a prevenção do contágio também pode se tornar mais difícil no contexto da cultura dos povos indígenas, já que a vida na aldeia é uma vida compartilhada, com casas comunais onde vivem muitas pessoas juntas, facilitando a transmissão do coronavírus por tosse, espirro, objetos de uso comum…

Além disso, há a falta de acesso a saneamento. A oferta de água de boa qualidade é precária na maior parte das terras indígenas, impedindo que haja os hábitos de higiene necessários para se prevenir do vírus. Apenas 63% da população indígena e 35,4% das aldeias tinham acesso à água tratada em 2009, por exemplo.

Mais de 90% dos indígenas foi dizimada apenas com vírus trazidos pelos europeus.

No processo de invasão da América pelos europeus, mais do que a “cruz e a espada”, como chamou o escritor Eduardo Galeano em seu livro “Veias abertas da América Latina”, foram os vírus que dizimaram as populações pré-colombianas. As doenças importadas pelos europeus na América (tifo, varíola, sarampo, peste, etc.) mataram 95% da população do continente durante os primeiros 130 anos da colonização.

Mais de 15 milhões de indígenas foram exterminados por conta de vírus trazidos pelos europeus, e até hoje há surtos de sarampo, tifo, gripes e inúmeras doenças que os brancos levam às aldeias, e rapidamente provocam inúmeras mortes. Este é o grande risco com o Covid-19, vírus de altíssima capacidade de transmissão.

Para se protegerem,  grupos indígenas têm agido em várias frentes. A Apib (Associação dos Povos Indígenas do Brasil) anunciou que adiou o Acampamento Terra Livre, que anualmente reúne milhares de indígenas em Brasília. Eles também exigem do governo que invista com urgência para preparar o sistema de saúde disponível a eles. E, enquanto isso, estão fechando estradas para impedir a municipalização do controle de suas áreas (que vai levar a desmandos de fazendeiros e políticos locais), exploração de suas terras e o possível contágio do coronavírus.

Já houve barreiras em estradas de Dourados (MS), Aracruz (ES) e no Paraná. Mas é preciso mais do que impedir a chegada de brancos nas áreas indígenas. É necessário interromper toda a exploração econômica, na imensa maioria ilegal, em suas terras. É urgente expulsar garimpeiros, madeireiros e todos que já desmatam, contaminam rios e cometem violências contra a comunidade indígena no dia a dia, e que agora ainda podem provocar um extermínio destas populações, pela propagação do vírus.

O governo Bolsonaro, no entanto, vem desmontando toda a política em prol dos índios. Bolsonaro não demarcou novas terras, deu sinal verde para o garimpo, para os que queimam a Amazônia e para criminosos em geral fazerem o que bem entenderem contra a natureza e as comunidades indígenas. A FUNAI, fundação de proteção aos índios, e o IBAMA, que atua na defesa do meio- ambiente, foram paralisados e os indígenas estão abandonados.

Mas esta situação não é exclusiva do Brasil. A Coordenação de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), que reúne representantes dos autóctones de nove países da América do Sul, vem alertando para a necessidade de que os Estados reforcem a proteção de povos vulneráveis. E a confirmação ontem de que uma indígena da etnia kokama havia sido diagnosticada com o novo coronavírus no estado brasileiro do Amazonas é um alerta grave sobre o risco da pandemia de covid-19 chegar nas tribos da Amazônia e do Chaco, na Argentina.

Em especial, populações indígenas de países como Brasil, Colômbia e Equador, onde já existe muita invasão de brancos às terras e atividades ilegais, são as mais vulneráveis, e também são países em que o vírus se alastra com força. Há uma dívida impagável com os indígenas, e não podemos permitir que haja um novo genocídio destas populações. Todos devemos lutar e exigir que sejam priorizados os investimentos nestas áreas e criar uma barreira em torno destas comunidades, que precisão de proteção total.